
As abordagens reunidas neste livro têm como base a experiência profissional dos autores, fundamentada na atuação direta para garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de risco ou vulnerabilidade, tanto nas Varas da Infância e Juventude, mas, essencialmente, haurida na articulação com as diversas redes de atendimento, proteção, responsabilização, e mesmo de controle de políticas públicas.
São apresentados diversos aspectos que envolvem o tema do acolhimento, com destaque à importância de problematizar elementos técnicos, realizar estudos e promover efetivo aprofundamento sobre o tema, a fim de qualificar a utilização dessa medida que tem significativas repercussões na vida das crianças, adolescentes e suas famílias.
Toda a normativa de proteção aos direitos de crianças e adolescentes se pauta pelo reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, mas é preciso buscar o aspecto instrumental dessas diversas leis, essencialmente ligadas à garantia de sua efetivação que se insere na luta pela afirmação dos direitos humanos.
Quando crianças e adolescentes têm seus direitos ameaçados ou violados surge a necessidade de intervenção pelo Sistema de Garantia de Direitos, especialmente o Sistema de Justiça, para tomada de várias medidas de proteção, visando à salvaguarda dos seus diversos direitos, dentre as quais se insere o afastamento da convivência familiar e comunitária e o respectivo acolhimento.
A questão colocada neste trabalho vem problematizar quanto o acolhimento pode estar sendo utilizado de forma massificada, algumas vezes pouco crítica, tomado por operadores do direito, serviços auxiliares e mesmo serviços da rede de atendimento como a principal medida de proteção, sem a devida mensuração de como essa medida pode ser violenta, além de tirar a potência das demais alternativas de proteção das diversas redes.
O trabalho hodierno na seara da infância e juventude indica a necessidade desse aprofundamento, diante dos diversos impactos que essa prática pode causar aos acolhidos e às suas famílias, sendo necessário que o acolhimento seja reconhecido também como medida que tem grande teor de violência e natureza de restrição de direitos, a fim de que tenha sua adequada dimensão, interpretação e utilização.
Nesse contexto, também é essencial trabalhar com mais acuidade e cuidado os vários princípios legais que informam utilização das medidas de proteção, de fundamento constitucional e da normativa internacional, seguindo o primado daquelas medidas que não envolvam o necessário afastamento, pois os princípios são formatados justamente para dar contornos operacionais à excepcionalidade das normas protetivas, sempre sob a égide do contraditório e da ampla defesa, muito mitigada na seara da infância e juventude.
A busca da qualificação para aplicação das várias medidas de proteção exige a construção e a consolidação de espaços e rotinas para discussão de casos, melhor definição e delimitação do conceito de risco, além do que, precisa consolidar a efetiva participação e intervenção dos acolhidos e interessados, com destaque ao potencial das diversas redes de articulação intersetorial e mesmo locais, que estão na base da convivência familiar e comunitária e precisam ser melhor trabalhadas.
Sob o singelo e amplo argumento da proteção, ou na busca de soluções idealizadas, são realizadas intervenções na vida e mesmo na organização ou funcionamento dessas famílias das mais variadas formas, o que representa grave e perigoso processo de invasão do cotidiano e singularidades desses núcleos, num formato que pode ser considerado de violência institucional em certos casos, com perverso risco de higienismo social e potencial de violar direitos quando deveriam ser protegidos.
Essencial que os integrantes do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, inclusive e especialmente o de Justiça, se aprofundem no tema para construção de matrizes técnicas sobre risco, vulnerabilidade e estabeleçam rotinas de intervenção que possam, mais que retirar essa população de seu núcleo originário, oportunizar condições de independência por estratégias que qualifiquem as potências e seus próprios fatores de segurança pelo fortalecimento e aquisição de autonomia.
O presente trabalho se destina a todos os públicos que lidam com ações de proteção de crianças e adolescentes, pretendendo trazer luz a alguns aspectos sobre o tema do acolhimento que acabam sendo pouco avaliados, mas são de essencial importância para garantia de direitos dessa população, que tem pouca capacidade de oposição ou mobilização, sendo essencial se consolidarem mecanismos mais claros, objetivos e operacionais que, de fato, respeitem crianças e adolescentes como sujeito de direitos, avançando um pouco mais na difícil consolidação da doutrina da Proteção Integral.
CAPÍTULO I - DA BANALIZAÇÃO DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E AS NECESSÁRIAS ALTERNATIVAS DE ARTICULAÇÃO
Introdução
Do acolhimento
Dos elementos iniciais para avaliação quanto à necessidade do afastamento
Do sistema de garantias de direito e o judiciário
Acolhimento/ afastamento em face dos princípios legais
Tempo das intervenções e a questão da morosidade
Do dimensionamento do risco e o tempo das intervenções
Dos parâmetros do acolhimento e alternativas de proteção com a criança ou adolescente na família
Violação e articulação como garantia instrumental pela falta de matriz avaliativa
Articulação e integração das redes para potencialização
Dos prejuízos do acolhimento institucional
Risco e vulnerabilidade no contexto do controle social
Do compromisso e da confiança na construção de alternativas
O trabalho com dados de realidade e a busca por certezas
Considerações
Referências Bibliográficas
CAPÍTULO II - ACOLHIMENTO, FATORES VIOLADORES E GARANTIAS
Introdução
Prevalência da Família e da Comunidade
Do acolhimento na perspectiva do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana – a importância da família e da comunidade
Cuidado em relação aos princípios e às singularidades
Fatores de risco e de proteção nas avaliações
Entre o contexto da realidade e a noção de risco
Dos dados de realidade como parâmetro
Importância de rotinas e matriz de intervenção
Convivência familiar e comunitária como proteção
Acolhimento e consequências prejudiciais
Parâmetros de outros ramos do direito - do acolhimento abusivo “para averiguação” ou “temporário”
Resiliência e fatores de proteção na qualificação pelos serviços de acolhimento
Considerações
Referências Bibliográficas
CAPITULO III - LIMITES DA INTERVENÇÃO NA VIDA FAMILIAR PELO SISTEMA DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Introdução
Da intervenção protetiva e o respeito à lei
Da estruturação do estado como garantidor de direitos
A definição das medidas
Dos princípios legais
Dos contornos da proteção integral em relação aos princípios legais
Das dificuldades das equipes multiprofissionais – estruturais e funcionais
Das dificuldades além das estruturais e os princípios legais
A excessiva intervenção do estado e a necessidade de articulação: como evitar o novo menorismo do século xxi
Situação de risco: quanto intervir?
Do papel do sistema de justiça – generalidades
Das intervenções abusivas, invasivas e sem proporcionalidade
Da necessidade de parâmetros de trabalho e de articulação
Da potência pelo trabalho em rede e discussão de casos
Da importância do cuidado quanto às intervenções nas famílias
Considerações
Referências Bibliográficas
CAPITULO IV - ACOLHIMENTO, ALTERNATIVAS DE PROTEÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO CONTRADITÓRIO
Introdução
Das formas legais de acolhimento inicial
Ação de afastamento e a participação
O acolhimento com a concordância dos pais
O risco dos pedidos de providências
Importância da fundamentação, cautelaridade e outras medidas de proteção
Necessidade e tempo da fundamentação – o direito à prova
Das alternativas de proteção
A questão do perigo inicial - situações crônicas
Princípios legais no processo decisório – importância do contexto
Formas de acolhimento na prática, formalização e alternativas
Afastamento sem formalização – violação – remessa à Procuradoria Geral de Justiça
Do acolhimento emergencial e a necessidade de apresentação imediata238
Princípios legais – lógica equivocada do acolhimento e a convivência familiar e comunitária como garantia
Justiça e ministério público em face do sistema de garantia de direitos – alternativas
Considerações
Referências Bibliográficas